domingo, 18 de abril de 2010

A pintura e o desenho de um artista: JAIR MENDES

Nascido em São Jose do Rio Pardo/SP, em 1938, Jair Mendes teve suas primeiras noções de desenho quando sua família mudou-se para Jacarezinho, no chamado Norte velho do Paraná. Aos 12 anos, já vivendo em Curitiba, começou o aprendizado em pintura com uma professora, graças a seus pais a que cedo perceberam seu talento.
Também foi aluno, em 1953, de Thorstein Andersen, contemporâneo de Helena Wong, freqüentando o atelier de Alfredo Andersen, hoje o museu localizado em Mateus Leme.
Terminado o ginásio no Santa Maria, em 1954, entrou na escola de Música de Belas Artes do Paraná – EMBAP, onde Guido Viaro foi seu maior incentivador.
Se, na EMBAP, o jovem Jair seguia as disciplinas programadas no calendário oficial, isto foi complementado pela orientação quase ou até literalmente underground que era oferecida pelo Centro de Gravura do Paraná, uma espécie de ateliê livre que Nilo Previdi mantinha no subsolo do mesmo prédio e que ele também freqüentou. Bastava descer uns poucos degraus e a atmosfera, os discurso, o pensamento ideogólico e os métodos de trabalho quebravam todo o arcabouço acadêmico que ainda prevalecia na EMBAP.
Em 1958, Jair graduou-se em Pintura, completando esses estudos, no ano seguinte, com Didática de Belas Artes da Faculdade Católica de Filosofia e, em 1966, cursando Licenciatura em Desenho na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Católica do Paraná.
Como artista plástico, já em 1957 Jair recebia menção Honrosa no XIV Salão Paranaense, o que se repetiu no ano seguinte, mas Medalha de Bronze no XVI, seguindo-se uma serie de destaques e prêmios. Suas obras foram expostas em inúmeras coletivas nacionais e internacionais, além das diversas exposições individuais realizadas, entre as quais se destacam: Biblioteca publica do Paraná (1959, 65, 73); Galeria Cocaco (63); Departamento de Cultura/SEEC (72); Eucatexpo (77); Museu de Arte Contemporânea do Paraná (78); Galeria de Arte Banestado (86 94); Studio Krieger (91); Clube Curitibano (96) – em Curitiba; Stvdvis Galeria de Arte e Antiguidades (76) no Rio de Janeiro; Cine Club La Quimera (87) em Córdoba; Galeria Municipal de Arte Victor Kursancew (96); Galeria Monserrat (99) e Galeria Fórum (2000) em Joinville/SC.

Atuando também como Professor e Orientador, foi chefe de Departamento de Matérias práticas da Faculdade de Educação Musical do Paraná – FEMP; exerceu, desde1972, as funções de Diretor do Centro de Criatividade de Curitiba; foi Diretor do Museu Guido Viaro de 1975 a 1988; organizou o importante Encontro Nacional de Críticos de Arte em 1980; foi Coordenador da VI Mostra de Gravura Cidade de Curitiba – Panamericana.
Em 1990, foi nomeado coordenador de Sistemas Estadual de Museus – COSEM/SEEC; de 1997 á 2002, foi Diretor de Ação Cultural da Fundação Cultural de Joinville/SC e, desde 2003, é o Diretor do Museu de Arte Contemporânea do Paraná – MAC-PR.
Assim, mesmo desenvolvendo intensa atividade como programador cultural, Jair conseguiu seguir sua carreira paralela na arte – sua verdadeira vocação, que jamais pensaria em abandonar – compensado as tantas horas gastas no ganhar a vida com suas verdadeiras paixões: a pintura, o desenho e a gravura. Tanto é que, entre 1979 e 1980, ele estagiou no Centre Georges Pompidou, em Paris, França e BA Academia di Belle Arti di Brera, em Milão, Itália.
Versando justamente sobre a pintura e o desenho, esta exposição mostra o resultado de uma constante troca de relações entre suas mais recentes linguagens.
Enfatizando essas duas técnicas, pode se dizer, como o próprio artista afirma, que muito de Viaro e um pouco de Poty são as mais visíveis influencias que o artista apresenta em suas obras.
Sua pintura, vibrante, forte e colorida, não nasce em um só momento, ela provém de uma intensa e trabalhosa fatura, na qual as cores são aplicadas, trabalhadas e re-trabalhadas, desde o inicio, como se fora uma ligação intima gerada entre o pintor e a obra. Como diz Jair: - “È só a pintura e eu!”.
E aqui entre uma condição temporal: depois das primeiras pinceladas, o artista encosta “de castigo” a pintura somente após 15 ou 20 dias é que Jair retoma a abra, até sentir que o trabalho está finalizado, que “a pintura rompeu o cordão umbilical com seu criador”.
Nesse processo de mimese com a vida, o autor da vida á sua obra – não somente no sentido de criar a pintura, mas também na maneira como o constrói – configurando-a com as cores certas, as únicas que tornarão viva, que a farão desabrochar, destacar no cinzento do cotidiano.
Sempre pintando á óleo, Jair declara que “Vida é cor” e que “apenas o óleo permite trabalhar a pintura, pois é o meio mais expressivo para demonstrar a qualidade pictórica da obra”. Portanto, este é um caso não só de pintura pela importância da pintura, mas da paixão pela pintura, pelos materiais, pela expressão em si que pode ser explorada até o âmago das tonalidades, das cores, das texturas.
Ao mesmo tempo em que porejam cores, suas pinturas possuem um toque gráfico. As superfícies das tintas são ora separadas, ora enfatizadas ou salientadas por meio de traços de tinta que, aplicados aqui e ali, vão compor um “sobre-desenho” uma espécie de desenho que fica por cima da pintura, sendo incorporada por ela.
Na união desses dois processos em sua pintura, é onde reside a aproximação com as obras de Viaro e do Poty: ambos ressaltavam traços em suas obras, como se o desenho tivesse que obrigatoriamente aparecer para completar ou finalizar o trabalho. Nas obras de Viaro esse processo é parte intrínseca da composição e muito visível.
Claro que Poty foi essencialmente um gravador/desenhista e a pintura talvez somente passou por ele sem o atingir, a não ser numa breve fase, quase no final da vida, como ele pintou guaches bem coloridos. Mas o modo como ele trabalhava, principalmente nas gravuras em mental das décadas de 50 e 60, era como se pintasse em tons cinzentos, como destaque para o desenho linear.
O processo dos desenhos vistos em suas exposições é o que Jair chama de “impressão ocasional”, por nascer de uma folha de papel com aguada que, ao ser pressionada sobre outro folha branca, vai resultar na “pressão”, e não na “impressão”, como brinca o artista comparando com a gravura. Na verdade, de cada matriz o artista tira outra cópia, duplicando-o no avesso.
Cada desenho – que acontece entre o propósito e o acaso – é então trabalhado em tonalidades, não em cores como na sua pintura.
Uma “mancha” – desenhada num misto entre caligrafia chinesa e quase-arabescos – é feita diretamente com o tubo de nanquim sobre a superfície anteriormente demarcada com uma aguada em cinza. E aqui se repete o processo que Jair usa na pintura: ele trabalha, deixa o desenho descansar e volta e re-trabalhar até considerar a obra pronta.
Entretanto, nos desenhos não são visíveis as influencias quer de Viaro, quer de Poty, pois o artista dá ênfase á sua liberdade criativa – inclusive na questão de cópia ao avesso – apresentando características extremamente gráficas nestas obras, tais como manchas e linhas que se interpenetram, formando uma superfície que não é só propicia uma viagem prazerosa á matéria gráfica em si, nos seus volteios e curvas, porém, simultaneamente, permite uma imersão que nos leva a profundidade da obra.
Seus desenhos remetem aos meandros de tinta de Jackson Pollock, os quais – como li numa revista Scientific American, uns dois anos atrás – mantém uma espécie de radical ou grafismo-padrão, que uma vez agrupados numa seqüência de movimentos repetidos acabam chegando ao resultado final.
Tanto no desenho quanto na pintura de Jair Mendes se fazem presentes aos três requisitos básicos de um verdadeiro artista: o conhecimento dos materiais artísticos; o conhecimento da história da arte e do uso histórico dos materiais; e o domínio no uso destes mesmos materiais.
Assim, a expressão artística de Jair Mendes – na qual o impulso do pintor/desenhista e a qualidade das pinceladas/traços se misturam, sendo modificados, alterados e recriados continuamente – não permanece somente na obra. Rebate nela e retorna ao artista até que ele possa captar aquele instante fugidio que marca a criação artística.

Nilza Knechtel Procopiak - Critica de Arte á ABCA/AICA e ANPAP

0 comentários: